Vai a Plenário, com pedido de urgência para análise, o projeto que estabelece novo modelo para o ensino médio ao ampliar a carga horária, fortalecer a formação geral básica e mudar as regras para os itinerários formativos, entre outras reformulações. O substitutivo (texto alternativo) apresentado pela senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) ao PL 5.230/2023, do Poder Executivo, foi aprovado em reunião extraordinária da Comissão de Educação (CE) nesta quarta-feira (19).
As alterações previstas poderão impactar o aprendizado de cerca de oito milhões de estudantes que cursam atualmente os três anos finais da educação básica, assim como os futuros alunos do ensino médio.
O PL 5.230/2023 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9.394, de 1996), o Programa Pé-de-Meia (Lei 14.818, de 2024), a Lei de Cotas (Lei 12.711, de 2012), e o Programa Universidade para Todos (Prouni – Lei 11.096, de 2005). Também modifica a Lei 14.640, de 2023, que trata da educação em tempo integral, e a Lei 14.818, de 2024, sobre educação profissional e tecnológica.
— Não é um documento findado, acabado, muito menos que reflete individualmente nenhum de nós. Mas um esforço de mudança, de garantia do direito. Do direito de aprender, do direito à educação que todos nós acreditamos — disse a relatora.
Presidente da CE, o senador Flávio Arns (PSB-PR) destacou que houve um grande movimento em todo o Brasil em relação à revogação do atual ensino médio. Segundo ele, o projeto aprovado supre essa demanda por mudanças.
— Há o novo ensino médio e, ao final da proposta legislativa, revogam-se as disposições em contrário. O objetivo é termos um ensino médio que atenda às necessidades e isso foi fruto dessa ampla discussão com todos os setores da sociedade — afirmou.
O texto alternativo da senadora Dorinha contemplou a análise de 74 emendas, das quais 14 foram acatadas integralmente e 39 parcialmente. O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou nesta quarta-feira mais duas emendas, das quais uma foi rejeitada e outra acatada de forma parcial.
— A preocupação é garantir ao jovem mais vulnerável ter a possibilidade real de um ensino técnico profissionalizante e a carga horária como está desenhada vai exigir um turno integral, o que inviabiliza para quem tem de trabalhar ou tem atividades, como uma jovem mãe. São duas alternativas, uma com supressão e outra remetendo isso para a regulamentação para que ele possa ter a viabilidade desse ensino — disse Alessandro.
A senadora Teresa Leitão (PT-PE) realçou a escuta das entidades estudantis nas audiências públicas realizadas para debater o tema.
— O contexto de aprovação deste projeto de lei é bem mais amplo do que essa nossa reunião, do que o relatório, porque antes dele muita coisa foi feita para chegarmos aqui.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) disse que foi possível construir minimamente um texto convergente.
— Essa é uma matéria que já veio do Câmara e está passando pelo Senado, dentro daquilo que a gente tem como ideal e o que é possível construir. (…) Não vejo o caminho da ampliação da carga horária como um caminho do aperfeiçoamento do ensino. Há um universo de matérias que nada acrescentam a formação do aluno. Mas o consenso do que veio da Câmara e o construído pela relatora é de aprovar essa matéria.
A senadora Janaína Farias (PT-CE) afirmou que a matéria trará um avanço muito importante para o ensino médio, principalmente para o ensino técnico.
A última reforma do ensino médio foi feita em 2017 (Lei 13.415) e trouxe, como principal inovação, os itinerários formativos, conjunto de disciplinas, projetos, oficinas e núcleos de estudo que os estudantes podem escolher nos três anos da última etapa da educação básica. Da forma como foram aplicados, no entanto, os itinerários receberam muitas críticas por proporem conteúdos e atividades de pouca valia para a trajetória educacional dos estudantes, como “cursos para aprender a fazer brigadeiro”.
A atual proposta de reforma fortalece os itinerários formativos, mas articulando-os com as quatro áreas de conhecimento previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC): que são: linguagens e suas tecnologias, integrada pela língua portuguesa e suas literaturas, língua inglesa, artes e educação física; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias, integrada pela biologia, física e química; e ciências humanas e sociais aplicadas, integrada pela filosofia, geografia, história e sociologia.
No caso da formação técnica e profissional, os itinerários devem ser organizados de acordo com o BNCC e com os eixos definidos nos currículos nacionais de educação profissional e tecnológica. “A preocupação é prever diretrizes nacionais de aprofundamento para os itinerários formativos, a fim de evitar que essa carga horária seja utilizada de forma desarticulada e sem relevância para os estudantes”, explicou Dorinha.
Outro ponto importante destacado pela relatora é a ampliação da carga horária mínima total destinada à formação geral básica (FGB) das atuais 1.800 para 2.400 horas, e a explicitação de quais componentes curriculares fazem parte de cada uma das áreas do conhecimento. “Pensamos que a norma deve ter previsão expressa de que a FGB é a pedra angular de quaisquer edifícios curriculares que eventualmente sejam esboçados pelos sistemas de ensino”, reforçou a senadora.
A relatora também destacou a possibilidade de o currículo escolar oferecer conteúdos que atendam a especificidades e necessidades das diferentes comunidades às quais pertencem os alunos. O projeto também inclui os estudantes de baixa renda do ensino médio matriculados em escolas comunitárias de educação do campo no Programa Pé-de-Meia, no Prouni e nas cotas para acesso à educação superior.
“Essas inclusões têm potencial para contribuir para que finalmente a oferta educacional chegue a todos de forma efetiva, dando cumprimento ao mandamento constitucional de igualdade nas condições de acesso e permanência nas escolas”, afirma ela.
Segundo Dorinha, o texto alternativo também incorpora sugestões recebidas e negociadas com o Ministério da Educação (MEC) após a apresentação da primeira versão do relatório, na reunião da CE de 11 de junho. “Assim, trata-se de alterações ao texto construídas com base no diálogo, que não perdem de vista a necessidade de avançarmos com celeridade, mas sem deixar de aprimorar o que precisa ser aprimorado para dar aos nossos jovens um ensino médio articulado às necessidades do mundo moderno e à qualidade necessária para que eles sejam os protagonistas de seu futuro, no ensino superior, no mundo do trabalho e na vida em sociedade”, explicou.
O texto amplia a carga horária mínima anual do ensino médio de 800 para 1.000 horas, distribuídas em 200 dias letivos. Essa carga horária mínima poderá ser ampliada, de forma progressiva, para 1.400 horas, considerados os prazos e as metas estabelecidos no Plano Nacional de Educação (PNE).
No texto alternativo, a relatora determinou que, caso haja ampliação da carga horária, seja respeitada a seguinte porcentagem: 70% para formação geral básica e 30% para os itinerários formativos.
Dorinha acatou emendas para determinar que, a partir de 2029, as cargas horárias totais de cursos de ensino médio com ênfase em formação técnica e profissional deverão ser expandidas de 3.000 horas para 3.200, 3.400 e 3.600 horas, quando se ofertarem, respectivamente, cursos técnicos de 800, 1.000 e 1.200 horas. Essa medida, afirma ela, vai reduzir o risco de que se estabeleçam trajetórias duais para o ensino médio, que promovam a desigualdade, por meio da distinção entre a carga horária de FGB dos cursos de ensino médio e dos cursos com formação técnica e profissional.
A soma da carga horária de formação geral básica nos três anos do ensino médio deve totalizar, no mínimo, 2.400 horas. Nos cursos técnicos e profissionais, a formação geral básica poderá ter carga horária mínima de 2.200 horas até 2028. As 200 horas restantes deverão ser implantadas até 2029.
Da carga horária mínima total, 2.200 horas deverão ser compostas por conteúdos que tenham relação com a Base Nacional Comum Curricular, como matemática, português, artes e ciências, e por uma parte diversificada, que trate das características regionais e locais da sociedade, da cultura e da economia.
No caso de formação técnica e profissional, as horas restantes deverão ser utilizadas para aprofundamento de conteúdos da BNCC diretamente relacionados à profissionalização oferecida.
O projeto original previa que a formação geral básica teria 2.400 horas e a formação técnica e profissional, 2.100 horas. Mas a relatora resolveu equipará-las para não fazer diferença entre as formações e, segundo ela, desfazer a ideia corrente no Brasil de que o ensino profissional qualifica menos o estudante do que o ensino destinado à universidade.
A oferta de formação técnica e profissional poderá ser feita mediante convênios e outras formas de parceria entre as secretarias de educação e as instituições credenciadas de educação profissional, preferencialmente públicas, observados os limites estabelecidos na legislação.
Além disso, para estimular a oferta de educação profissional e tecnológica, União, estados e Distrito Federal deverão implementar, de forma articulada, estratégias previstas na Política Nacional da Educação Profissional e Tecnológica.
Em relação à educação em tempo integral, o texto alternativo autoriza a União a priorizar, na transferência de recursos a estados, municípios e Distrito Federal, as escolas que ofertem matrículas de ensino médio articuladas à educação profissional e tecnológica.
O projeto também inclui na LDB três novos artigos. O primeiro trata do currículo do ensino médio, que será composto de formação geral básica e de itinerários formativos. Para estruturar suas propostas pedagógicas, as escolas deverão considerar os seguintes princípios: promoção de metodologias investigativas no processo de ensino e aprendizagem; conexão dos processos de ensino e aprendizagem com a vida comunitária e social; reconhecimento do trabalho e de seu caráter formativo; e articulação entre os diferentes saberes a partir das áreas do conhecimento e, quando for o caso, do currículo da formação técnica e profissional.
No texto alternativo, a relatora acrescentou que as escolas também deverão considerar o fortalecimento das relações entre componentes curriculares, de modo equilibrado e sem a exclusão de quaisquer deles, por meio de planejamento e execução didático-pedagógica cooperativa.
Aos estudantes, deverá ser assegurada oportunidade de construção de projetos de vida, de participação cidadã e de preparação para o mundo do trabalho.
Para fins de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio em regime de tempo integral, os sistemas de ensino estaduais e distrital poderão reconhecer aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares, mediante formas de comprovação definidas pelos próprios sistemas de ensino, levando em conta estágio, aprendizagem profissional e participação comprovada em projetos de extensão universitária ou de iniciação científica.
Dorinha retirou do texto menções a “trabalho remunerado”, que poderiam promover, segundo ela, mesmo que inadvertidamente, a chaga do trabalho infantil, e a “trabalho voluntário supervisionado”, que pareceu a ela uma inovação fundamento trabalhista ou de proteção à infância.
A relatora acrescentou ainda que esse reconhecimento deverá ser feito em caráter excepcional, impedindo que os cursos de qualificação profissional ocupem toda a carga horária de ensino. Em sua avaliação, tal medida é pertinente para que o norte curricular do ensino médio continue sendo as áreas do conhecimento previstas na BNCC.
“Além disso, essa alteração evitará que se repitam, nesse aspecto específico, os mesmos equívocos da reforma do ensino médio de 2017, que facilitou a propagação de abordagens reducionistas e aligeiradas, que desprestigiaram inclusive o potencial dos estudantes”, afirma.
Além disso, o texto garante que o ensino médio será ofertado de forma presencial, mas admite o “ensino presencial mediado por tecnologia”, expressão, segundo a relatora, de uso corrente nos documentos do Ministério da Educação e de universidades públicas, por isso foi acrescentado por ela ao texto.
Em seu parecer, ela reforça que “ensino presencial mediado por tecnologias” e “educação a distância” são dois conceitos distintos. Segundo o texto alternativo, a educação à distância será admitida em casos emergenciais temporários, como epidemias e desastres naturais.
Segundo o texto, o ensino médio será ministrado em língua portuguesa. As comunidades indígenas, no entanto, terão assegurado o direito de utilizar suas línguas maternas.
Além de inglês, a relatora acrescentou o espanhol como componente curricular da área de linguagens e suas tecnologias. Segundo ela, essa inclusão foi pedida por diferentes atores do cenário educacional e de relações internacionais do país, pois promove a integração na América Latina.
O texto alternativo permite também que o inglês e o espanhol sejam substituídos por outras línguas nas escolas que atendam a pelo menos um dos seguintes critérios: faça fronteira com países vizinhos, com a adoção do ensino da língua oficial desse país fronteiriço, caso não seja a língua espanhola; apresente características históricas, demográficas, sociais ou econômicas fortemente influenciadas pela cultura e pelo idioma de outro país; apresente fluxo significativo e predominante de pessoas e bens de país estrangeiro específico, de forma que o estudo de seu idioma seja fundamental para o desenvolvimento da região.
Os itinerários formativos, articulados com a parte diversificada do currículo, terão carga horária mínima de 800 horas nos três anos de ensino médio e serão compostos de aprofundamento das áreas do conhecimento ou de formação técnica e profissional, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino.
No caso da formação técnica e profissional, o itinerário deve se organizar de acordo com os eixos e áreas tecnológicos definidos nas diretrizes curriculares nacionais de educação profissional e tecnológica, observados o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) e os demais dispositivos da LDB que tratam da educação profissional.
Os sistemas de ensino devem garantir que todas as escolas de ensino médio ofertem aprofundamento integral de todas as áreas do conhecimento, organizadas em, no mínimo, dois itinerários formativos com ênfases distintas, excetuadas as que oferecerem a formação técnica e profissional.
Caberá ao Ministério da Educação (MEC), com participação dos sistemas estaduais e distrital de ensino, elaborar diretrizes nacionais de aprofundamento de cada uma das áreas do conhecimento. Essas diretrizes deverão orientar em relação aos direitos e aos objetivos de aprendizagem a serem considerados nos itinerários formativos, reconhecidas as especificidades da educação indígena e quilombola.
A União deverá desenvolver indicadores e estabelecer padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, a partir da BNCC e das diretrizes nacionais de aprofundamento.
O projeto estabelece que os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte ou egresso do ensino médio cursar um segundo itinerário formativo.
Os processos seletivos para ingresso em cursos de graduação deverão considerar a BNCC do ensino médio e as diretrizes nacionais de aprofundamento das áreas do conhecimento em suas provas. Essa diretriz deverá começar a valer em 2027.
O texto estabelece que, no planejamento da expansão das matrículas no ensino médio em tempo integral, deverão ser observados critérios de equidade, de modo a assegurar a inclusão dos estudantes em condição de vulnerabilidade social, da população negra, quilombola, do campo e indígena e das pessoas com deficiência nas diferentes etapas e modalidades educacionais estabelecidas na legislação.
Na perspectiva da garantia de igualdade de condições de acesso, de permanência e de conclusão do ensino médio para todos os estudantes, os sistemas de ensino garantirão que a oferta curricular reconheça as especificidades, as singularidades e as necessidades que caracterizam as diferentes populações atendidas, bem como as condições necessárias à estruturação da oferta e do atendimento escolar em período noturno.
O texto inclui no Programa Pé-de-Meia os estudantes de baixa renda no ensino médio matriculados em escolas comunitárias de educação do campo conveniadas com o Poder Público. O Pé-de-Meia cria uma poupança para estudantes com o objetivo de estimular a permanência e a conclusão escolar dos matriculados no ensino médio público.
O projeto também altera a Lei de Cotas e o Prouni, que passariam a beneficiar também os estudantes matriculados nas escolas de educação do campo.
As secretarias estaduais e distrital de educação elaborarão planos de ação para a implementação escalonada das alterações promovidas no ensino médio. O MEC estabelecerá estratégias de assistência técnica e formação das equipes das secretarias de educação para apoiar a implementação. Dever ser feita uma transição para a nova configuração do ensino médio para os estudantes que estiverem cursando essa etapa da educação básica na data de publicação da lei em que o projeto se transformar.
O projeto também apresenta um cronograma de implementação das alterações no ensino médio. Até o final de 2024, o MEC estabelecerá, com a participação dos sistemas estaduais e distrital de ensino, as diretrizes nacionais de aprofundamento das áreas do conhecimento; e, no ano letivo de 2025, os sistemas de ensino deverão iniciar a implementação do currículo do ensino médio.
A implementação do que determina o projeto deverá ser monitorada pelos órgãos de fiscalização e controle da União nos estados e no Distrito Federal.